quarta-feira, 27 de julho de 2011

A PEDAGOGIA SOCRÁTICA

A PEDAGOGIA SOCRÁTICA

Virgilio Pereira dos reis*

Este artigo teve a colaboração do filósofo Marcus Vinicius cujos comentários prévios enriqueceram este trabalho.

A pedagogia, no decorrer da história ocidental, foi desenvolvendo variantes que lhe possibilitava ir se adaptando a cada novo tempo que se apresentava. Estas variantes ora conviviam, ora se aprimoravam, ora se tornavam obsoletas, e mesmo eram desenterradas. Dificilmente se poderá definir uma pedagogia que atenda satisfatoriamente a todas as culturas existentes neste planeta; afinal temos povos vivendo ainda na idade da pedra, na idade do ferro, na idade média, na idade moderna e também temos culturas que priorizam o futuro tecnológico e extraterrestre.
Embora a pedagogia venha sendo pensada há séculos pelos educadores, filósofos, políticos e outros interessados nesta questão de uma coisa não se pode esquecer: “a pedagogia é o instrumento que a sociedade civil utiliza para preparar os membros de que necessita”. Muito se tem discutido sobre o papel da pedagogia e a demagogia mais recente é a de que ela se destina a formar cidadãos críticos e reflexivos. Entretanto, o que se pode constatar é que esta ferramenta é utilizada por mãos da sociedade civil que organiza os governos e definem os rumos de um país.
O emprego dessa ferramenta é voltado para a reprodução e enriquecimento das camadas dominantes da sociedade civil de forma a mantê-la e fortalecê-la continuamente garantindo assim sua linhagem no decorrer dos tempos.
O interessante dessa ferramenta é que mesmo o seu não uso é uma forma de utilização, quando ela não é empregada está formando mão-de-obra para as funções erroneamente consideradas menos dignas em virtude da não exigência de um grau de escolaridade maior.
Como a pedagogia atua depende da sociedade à qual serve, isto é uma decorrência natural visto que o todo, em qualquer regime político, prevalece ante ao indivíduo, mesmo que esse todo seja representado por uma sociedade civil excludente.
*O autor é formado em Engenharia Elétrica pela universidade Veiga de Almeida, em Filosofia pela Universidade Federal do Amazonas e em Pedagogia pela Universidade do Estado do Amazonas, tendo concluído a especialização em Metodologia do Ensino Superior pela Universidade Federal do Amazonas.
Na sociedade civil, para fins de esclarecimento, sempre se tem incluído, a estrutura militar que é a força repressiva que permite a ordem social, que permite que uma sociedade exista. Sem o poder de coerção as leis seriam interpretadas ao bel prazer de cada grupelho, de cada um em condição de manipular uma força qualquer.

Assim, de pronto, descarta-se essa linha ideologizante de que a pedagogia visa preparar o sujeito para que ele se realize e possa aspirar à felicidade, sua função não é esta, o que ela propõe é formar cidadãos para que as camadas dominantes da sociedade cível possa se tornar cada vez mais poderosa e, se possível, feliz.
Cartas sobre a mesa pode-se então desmistificar outro mito: a democracia permite mais liberdade ao estudante, ao pesquisador, ao inventor, ao escritor etc. O mercado de trabalho na área educacional é um dos mais concorridos, a maioria das universidades públicas, em seus editais para concursos públicos estabelecem o grau de doutorado, no mínimo mestrado, para se poder inscrever. Não que seja necessário ser doutor para dar as aulas de que os alunos da graduação necessitam, mas essa exigência decorre da necessidade da universidade se destacar nas pesquisas. Graduar, pesquisar e oferecer cursos e elaborar atividades de extensão para a comunidade são o tripé da universidade, mas o principal deveria ser o de fornecer um curso de graduação de qualidade cada vez maior, mas o que se vê é que a pesquisa que atrai recursos, fama e projeção individual se tornou o foco principal.
Um professor da graduação é contratado para tal e dele se exige o doutorado, não para que ele prepare e ministre melhores aulas, mas para que ele possa se engajar em projetos de pesquisas que destaque a universidade no meio acadêmico. Como é de se esperar a prioridade da pesquisa deixa em último plano as aulas da graduação e raros são os professores doutores que respeitam seus alunos e planejam suas aulas com objetividade.
Na área administrativa a concorrência é absurda. Apenas como exemplo destaca-se que o fato da freqüência escolar ser obrigatória já descaracteriza essa tal falada democracia. Educação é um direito do cidadão e dever do Estado e não obrigação do cidadão. Quantas vidas se perdem estudando o que não querem estudar, se esforçando para aprender o que são obrigadas a estudar apenas para poderem concorrer a um emprego de gari que exige que os catadores de lixo conheçam o binômio de Newton, trigonometria, geometria, tipos das raízes dos vegetais e muitas coisas que nada tem a ver com o dia a dia da maioria dos cidadãos. Se enveredar no ramo da educação, realmente não é uma boa alternativa que garanta que se possa chegar a uma realização pessoal.
Além do corporativismo existente temos uma preparação voltada para os grandes centros educacionais que prometem melhores remunerações. Estes abrigam, quase que exclusivamente, os membros das camadas economicamente mais elevadas da sociedade civil. Vez por outra alguns poucos conseguem se infiltrar, mas isto não afeta estes grupos porque, mesmo tendo os infiltrados ocupado algumas vagas nos níveis iniciais vão ficando, pouco a pouco, pelo caminho no desenvolver da carreira. Por exemplo, caso algum estranho se forme diplomata no Instituto Rio Branco dificilmente chegará a se tornar embaixador em um país internacionalmente importante.
Em toda atividade existem posições espinhosas e estas são as exercidas pelos intrusos que as aceitam com orgulho. Assim se dá uma discriminação que não aparece, invisível, que, ao mesmo tempo que alegra os discriminados livra os “eleitos” de tarefas difíceis que possam vir a manchar sua reputação pelo risco das decisões exigidas. Evidente é que quanto mais se sobe em qualquer ramo da sociedade, mais sujeito às influências políticas se fica; não é a política que determina os rumos de uma nação?
Voltando à pedagogia. Muitos educadores teóricos e/ou práticos se destacaram. Dentre eles podemos citar Sócrates, Aristóteles, Jan Amos Seges (Comenius) os jesuítas com o Ratio Studiorum, Lancaster, John Dewey, Skinner, Paulo Freire, Jean Piaget, Wallon, Lauria, Emília Ferrero e muitos outros não menos importantes. O que se pode observar em cada um deles é que sua participação se deu a partir da sociedade em que viviam e estas tinham características e problemas específicos. Os países com sociedades diferentes que simplesmente tentaram implantar a didática desses educadores não tiveram o sucesso que esperavam.
Os processos de ensinoaprendizagens aparentemente progrediram, mas sempre seguem duas linhas distintas. A primeira destina-se a fortalecer e manter os membros das camadas que detém a economia e o poder da sociedade civil e a segunda é a que visa qualificar a mão-de-obra destinada a servir aos interesses da primeira.
Quanto à atuação de Sócrates vê-se que ele, por princípio, ou por que não dizer estratégia, utilizava da mensagem que se credita a algum sábio da antiguidade esculpida no oráculo da ilha de Delphos que homenageava Apolo: CONHECE-TE A TI MESMO.
Na apologia de Sócrates Platão coloca que Sócrates visitou esse oráculo para confirmar o que disse Querofonte. Segundo pítia, a sacerdotiza de Apolo, Sócrates era o mais sábio dos homens. O que Sócrates constatou foi que o fato dele saber que pouco ou nada sabia era justamente a razão que se mostrava para que ele fosse indicado como sábio.
Conhece-te a ti mesmo, e tudo o que sei é que nada sei foram os pilares que sustentaram o pensamento socrático. O primeiro o levou a tentar compreender o comportamento humano e a ver o mundo a partir do homem e não mais a partir dos deuses. O segundo o direcionou para a sua metodologia inovadora que tanto irritou seus contemporâneos mais proeminentes.
Ele afirmava nada ensinar pelo simples fato de nada saber. Então, o que ele fazia eram perguntas que, ao serem respondidas, eram refutadas por Sócrates caso não estivessem de acordo com o que ele mesmo pensava sobre o assunto em pauta. Essa refutação se dava por meio de novas perguntas que questionavam as respostas dadas pelo interlocutor/aluno. Essas perguntas procuravam levar seu interlocutor/aluno a contradições claras que o levava a reconhecer que sua resposta primeira não atendia plenamente ao questionamento em debate.
Quando o interlocutor não sabia o que responder Sócrates lhe propunha uma solução para a questão, mas sempre se certificava de que seu aluno adotasse a resposta proposta como se fosse realmente a sua resposta. Ele afirmava: Como você disse... ou Você disse que... não foi isto? Exigia um sim para que ficasse evidente que a resposta que ele mesmo apresentava era agora a resposta convicta do interlocutor. Tendo conseguido isto Sócrates dava então prosseguimento ao seu método pedagógico e refutava a resposta até então aceita como válida.
Obtendo novas respostas e as analisando e aceitando ou refutando ia levando seu interlocutor a construir um conhecimento considerável sobre o tema em pauta. Ou seja, o interlocutor construía um conhecimento. Construir, este vocábulo não lembra algo sobre a linha pedagógica do construtivismo, tão decantada no século XX?
O interlocutor precisava ter boa memória visto que a escrita não era inclusa na sua didática e sim a oralidade. Era preciso memorizar e isto levava a exercícios que consolidassem a fixação das informações. Estes exercícios não eram penosos por um único motivo: o interlocutor que o procurava queria realmente aprender, e isto de forma voluntária. O interesse do interlocutor era pessoal, quem não se motivasse poderia se retirar a qualquer momento ou então deixar de dialogar. Para reter seu parceiro de debate Sócrates regularmente utilizava artimanhas para evitar a saída do interlocutor; era pródigo em elogios sobre a inteligência e a memória do mesmo. Ele se diminuía e engrandecia seu interlocutor para que este, com a autoestima elevada desse prosseguimento à análise do tema ora em debate. Nesses exercícios mnemônicos temos bem evidentes o tecnicismo tão valorizado nos anos 60 e 70 do século XX.
Sócrates considerava seu aluno como único e, como tal, os argumentos que utilizava levava em conta seus conhecimentos anteriores. Sabia quem eram seus pais, seus amigos e seus papéis na sociedade.
O desejo de conhecer era estimulado sempre focando que o saber evita decisões que provocam danos posteriores e que da ignorância é que se originavam os males que afligem os homens. Entretanto Sócrates não sai pela cidade à cata de alunos, os que se interessavam é que o procuravam.
Algo similar sempre ocorreu e vem ocorrendo no mundo das estrelas do saber, seja qual for o seu campo. Os considerados como sendo os melhores, em qualquer área do conhecimento não precisam mais sair à procura de seguidores que possam com eles dividir as inúmeras atividades inerentes à pesquisa que desenvolve; aqueles que realmente são interessados (não importa qual a motivação desse interesse, se fama, ingresso no mundo dos melhores, se político ou econômico) o que fica claro é que aqueles que os procuram desejam realmente se aprimorar em determinado segmento do conhecimento, mas regularmente, apenas os escolhidos pelos mestres recebem alguma atenção e tem que se desdobrarem, produzir alguma coisa que os destaque para que possam entrar no rol dos respeitados pelos mestres.
O mesmo não podemos dizer a respeito dos alunos que ingressam nas escolas do ensino fundamental: o ensino nesta etapa é OBRIGATÓRIO. Assim a massa de alunos nas escolas pode ser dividida entre as seguintes categorias:
• Inteligentes com boa memória e motivados;
• Inteligentes sem boa memória e desmotivados;
• Inteligentes sem boa memória e motivados;
• Inteligência e memória médias e motivados;
• Inteligência e memória médias e desmotivados;
• Inteligência e memória pequenas e motivados;
• Inteligência e memória pequenas e desmotivados;
• Alunos com problemas que afetam a aprendizagem sejam eles físicos, psicológicos ou biológicos que podem levar ao desinteresse ou à incapacidade de aprender; e
• Os que são naturalmente apáticos e indiferentes a tudo sem que isto tenha sido causado. Os totalmente desmotivados, não apenas em relação aos estudos, mas a tudo na vida.
Quando se fala em classificar os alunos segundo suas aptidões naturais se levantam as vozes daqueles que querem uma inclusão forçada, incoerente e improdutiva.
A inclusão deve se dar na família, no bairro e nos meios disponíveis na cidade tais como transportes, cinemas, teatros e trabalhos que não percam em custos e produtividade devido às restrições do trabalhador. Sem as falácias de que pessoas com problemas físicos e/ou mentais possam entrar no mercado de trabalho para exercer funções que evidentemente não são capazes de cumprir/executar sem o auxílio de terceiros. O que ocorre na verdade é que quando um sujeito sem as condições necessárias é colocado, por imposição legal, para exercer uma função a qual não é capaz de realizá-la apenas por si mesmo, como ocorreria caso não houvesse restrições, uma ou mais pessoas são colocadas para ajudá-lo. Esses fazem o que ele não é capaz de fazer. Todos os menos capazes entendem e sabem que estão empregados em funções que reconhecidamente não conseguem exercer em sua plenitude simplesmente por pena da sociedade, uma esmola que corresponde ao seu salário visto que recebe sem produzir satisfatoriamente.
Como exemplo pode-se citar cegos totais, de nascença, sendo graduados em faculdades em ciências humanas, exatas ou mesmo médicas. É difícil entender como é que um aluno nesta condição física pode aprender geometria analítica, fazer plantas, interpretar gráficos, fazer uma cirurgia etc. Se o conhecimento que eles deixam de construir nas faculdades (e mesmo assim são aprovados) não é importante para a graduação, então por que é que não se os retiram da grade curricular?
Essa demagogia com os fisicamente incompatíveis restringe ao fisicamente por que os mentalmente restritos possuem suas incapacidades decorrentes de problemas neurológicos que nada mais são do que físicos. Como não sabemos ainda, com certeza, o problema físico que causa essas distorções neurológicas, as denominamos mentais, mas isto apenas no aspecto pedagógico; assim ocultamos nossa falta de conhecimento sobre o assunto. Tem-se também surdos estudando música, paraplégicos estudando educação física e muitas outras situações similares. Esses profissionais não serão autônomos, não serão capazes de sozinhos, executar o que a profissão exige. Para que colocar duas ou mais pessoas para executar uma tarefa se apenas uma mais capacitada para tal a pode realizar com mais competência?
Este enfoque de incapacidade é muito considerado pelos humanistas como ela se fosse uma irregularidade que devesse ser reparada e aceita como natural, como algo distinto que deva ser analisado e compensado de alguma forma. Entretanto o que não se destaca é que somos todos incapazes. Ninguém pode fazer tudo o que quer e, pior ainda, a maioria capacitada não pode fazer o que deseja, não consegue realizar seus sonhos profissionais.
Não é porque se gosta de voar que poderá se tornar um piloto, não é porque se gosta de música que se tornará um compositor, cantor lírico ou não. Todos temos restrições para alguma coisa. Afinal quantos conseguem correr 100 metros rasos em menos de 10 segundos? Para os que conseguem os demais são incapazes, possuem restrições físicas que os impossibilitam de correr na velocidade necessária. Vamos chorar por causa disto ou aplaudir os que conseguem essa proeza? Pessoas de muito baixa estatura querem jogar basquete, vôlei etc., pessoas de muito alta estatura querem ser submarinistas, motorista de táxi, digitadores, pianistas etc. Cada qual com seu cada qual diz o dito popular. Todos temos desejos pessoais e na maioria das vezes eles não são compatíveis com nossa predisposição biológica.
Para a sociedade deve-se exigir que cada um faça o que for capaz de melhor fazer, caso o melhor seja o que o sujeito deseja realizar ótimo, caso não, o que o sujeito deseja poderá se tornar o que chamamos de hoby. A sociedade deve arcar com os custos para que o sujeito desenvolva o que melhor pode empreender, já o hoby, deveria ficar por conta do próprio indivíduo, afinal seria um tanto ilógico financiar algo que só dá prazer a quem o faz, mesmo que este hoby produza resultados de boa qualidade e que sejam também úteis à sociedade.
Cada um procura aquilo que melhor é capaz de fazer, aquilo que lhe permite se destacar na multidão. É esse algo mais , esse destaque que consegue as melhores oportunidades no mercado de trabalho. O mercado, a sociedade necessita dos melhores, pois são eles que aumentam a eficiência e a competitividade que mantém vivo o desenvolvimento em todos os campos da sociedade.
A autonomia, a satisfação de ser independente e respeitado, por mínima que seja a atividade que se executa é o que desenvolve a autoestima e ensina a respeitar os demais porque é sendo respeitado que se aprende a respeitar, e esse comportamento é o que permite um conviver social harmonioso.
Não é exigindo algo de alguém que não é capaz de fazê-lo que o estamos incluindo. Essa inclusão nada mais é do que uma demonstração humanística que permite que incapazes possam exercer funções mais bem remuneradas sem na verdade desempenhá-las satisfatoriamente. Na hora da emergência, na hora em que realmente se precisa de competência, se chama os mais capazes que foram deslocados para que os menos capazes ocupassem seus empregos. Basta uma guerra eclodir...
Complementando esse raciocínio temos ainda a influência religiosa. Certas igrejas estabelecem/interpretam normas que devam cumprir e muitas delas vão de encontro com as normas de empresas e/ou instituições. A Incoerência dos que se dizem religiosos chega a ofuscar a inteligência e a hipocrisia. Exemplo típico, a religião cristã prevê o perdão sempre, prevê a não violência sempre, prevê a caridade sempre, mas os religiosos querem ser militares, combatentes, policiais que precisam utilizar a violência quando necessário for. Ora bolas, com tantas profissões disponibilizadas por que se procura justamente aquelas que vão de encontro aos princípios religiosos cristãos e não cristãos?
A resposta nua e crua é simples: emprego e boa remuneração. Assim temos donos de bares evangélicos que vendem bebidas alcoólicas, evangélicos que vendem produtos eróticos etc. Essa hipocrisia é uma continuidade da hipocrisia da idade média onde a igreja tinha exércitos e matava e injuriava em nome de seu deus. É o resultado da segregação judaica onde as leis valem somente para os judeus, logo os que não o forem que se danem, podem ser mortos, torturados sem nenhum problema.
Da mesma forma temos a democracia norteamericana que a propósito de “democratizar” o mundo invade arrasa e mata populações e governos em outros países militarmente mais fracos. Entretanto quando um país tenta impor a vontade do seu povo e essa vontade vai de encontro aos interesses econômicos e/ou políticos dessa potência militar essa vontade é massacrada com o auxílio dos democratas. Ou seja, a democracia é boa para os norteamericanos, para os demais países ela será boa apenas quando os interesses desse povo/governo coincidir com os interesses desse país mais forte que se intitula guardião da paz e dos direitos humanos, embora seja o país que mais guerras e distúrbios internos provoca e menos os direitos humanos respeita quando não se trata de norteamericanos, e, mesmo assim, apenas aqueles da sociedade civil mais esclarecida e rica. Negros e latinos e estrangeiros de países mais pobres também sofrem por lá.
Somos máquinas biológicas que funcionam de acordo com seu projeto estabelecido por meio do DNA específico de cada um, não somos iguais, não temos a mesma capacidade, nos aproximamos pelas similitudes e não pelas diferenças. Comemos e bebemos quase as mesmas coisas, vestimos e moramos quase da mesma maneira, lamentamos e choramos quase que pelas mesmas coisas, poucas coisas nos aproximam e nossa realidade social se baseia nessas similitudes que mascaram as diferenças de cada indivíduo. Ser diferente é ser normal; anormal seria se fôssemos exatamente iguais uns aos outros. Portanto cultuar as diferenças no sentido de tentar reduzi-la não é a maneira mais adequada de tentar fazer com que os direitos de todos sejam respeitados quando a recíproca, ou seja, os deveres de todos devem ser também cumpridos. Válido é lutar diuturnamente para reduzir as incapacidades de cada um de nós, mas forçar o sujeito, mesmo com a sua querência, a realizar muito bem algo para o qual não possui habilidade/competência se torna na verdade um autoritarismo disfarçado de democracia, uma tortura.
Estudar o que se deseja estudar é uma coisa, estudar o que não deseja apenas para almejar trabalhos que não deseja executar, de olhos voltados apenas para o prestígio social e/econômico é a forma mais moderna de escravizar o trabalhador. E o retorno social consistirá na atuação deficitária de profissionais incompetentes e desinteressados.
Somos todos incapazes de executar centenas de atividades e capazes de executar outras tantas de maneira satisfatória e uma ou pouquíssimas atividades com alto grau de excelência. Se se é cego, surdo, mudo ou se tem alguma doença crônica etc. as habilidades são reduzidas drasticamente, mas sempre haverá algo que se possa fazer, quando não apenas executar algum movimento já estabelece um pouco de autonomia. Paradoxal é ver pessoas com sérias restrições se esforçando além de seus limites para realizarem coisas simples para os que não possuem essas mesmas restrições enquanto pessoas biologicamente saudáveis em todos os sentidos ficam exercendo atividades que exigem pouquíssimos recursos físicos tais como ambulantes, camelôs e caixas de supermercados e do comércio em geral, entre outras. Os capazes exercem funções aquém de suas capacidades e os menos capazes querem exercer funções que exigem mais do que eles podem realizar. É ou não um paradoxo?
A inclusão deve ser promovida em escolas especiais que permitam ao sujeito praticar exercícios/atividades que auxiliem a reduzir suas incapacidades mais destacadas e que afetam sua autonomia na sociedade e no lar. Isto pode se dar ensinando o código Braille para que os cegos possam ler, a linguagem de sinais para que os surdos possam se comunicar, LIBRAS, a fisioterapia para os deficientes físicos/mentais para ajudar a desenvolver os movimentos necessários para uma autonomia mais ampla.
Nas escolas regulares os alunos devem ser capazes de se comunicarem claramente com os professores e serem capazes de executar as atividades que são necessárias ao processo ensinoaprendizagem. Se isto não ocorre a falácia da inclusão está caracterizada.
Cada um deve aprender apenas o que é capaz e isto desde que este conhecimento possa ser visto pelo aluno como algo útil que será necessário, a curto ou médio prazo, para melhorar a qualidade de sua vida. Este é o papel do professor: primeiro mostrar a importância do conteúdo que ensina e, em seguida, com o aluno ciente de que deve se esforçar para aprender visto redundar em algo benéfico para si mesmo, orientá-lo para que ele construa este novo saber.
Todos somos capazes de aprender alguma coisa e todos temos limites sejam eles físicos ou não. Superar esses limites é sempre uma aventura, mas não será às custas da dignidade que se deve aventurar para no fim ser visto com condescendência e até mesmo escárnio. Devemos fazer o possível e o não possível para ampliar os limites que cerceiam a autonomia básica que consiste em pelo menos em poder se locomover de um lugar para outro com segurança e em cuidar de si mesmo seja na higiene pessoal, na saúde e na alimentação. Para que os limites que representam marcas, que nos informam as limitações das capacidades deve-se empreender atividades e procedimentos específicos para sua ampliação, porém sem comprometimento da autonomia e da dignidade, pois são elas que dão ao ser humano a sensação de realização pessoal.
Voltando à pedagogia socrática. A própria ciência, dentro de seus critérios de verdade foi passando das verdades dogmáticas dos mitos e das religiões (que se ofendem ao serem chamadas do que realmente são: mitos) para a fase das comprovações experimentais e estas foram sendo questionadas sob diversos aspectos quanto à sua veracidade, pois as afirmações científicas foram e estão sendo continuamente reconstruídas. Têm-se hoje, em destaque, o método hursserliano que estabelece que uma “verdade” científica deve ser divulgada e se expor às contínuas contestações, enquanto essa verdade resistir aos ataques, enquanto refutar as críticas que tentam tornar essa verdade uma falácia ou pelo menos uma verdade restrita a limites forçados ela será considerada uma verdade válida. Essa verdade deverá ser refeita sempre, não apenas para anular as críticas porventura recebidas, mas sempre que de algum modo, se mostrar incoerente, insuficiente e/ou contraditória.
A veracidade das respostas do dialogante com Sócrates eram contestadas continuamente pelo filósofo e o aluno, com auxílio do próprio Sócrates, ia refazendo suas conclusões até chegar a um ponto em que, mesmo não tendo chegado a um termo definitivo gerava uma problematização sobre o tema em debate a qual fazia com que o aluno adquirisse amplo domínio sobre a questão em pauta. Para Sócrates, tudo indica que ele premeditava todo o desenrolar da discussão, e o termo final a que se chegava, ou melhor, que o aluno julgava ter ele próprio, sozinho, ter alcançado, já estava previsto desde o princípio por Sócrates.
Como se pode observar, se Sócrates vivesse os dias atuais seu métodos pedagógicos ainda estariam, pode-se dizer, em voga e muito atualizados.
Na contemporaneidade de Sócrates, cerca de quatro séculos antes da era cristã, as profissões em geral, eram principalmente artesanais, trabalhos manuais como agricultores e pecuaristas, ferreiros tecelagem etc. e estas atividades eram consideradas de somenos importância e, portanto eram executadas pelos estrangeiros e escravos, assim como hoje em dia as profissões de empregada doméstica, e trabalhos pesados que exijam pouca instrução são executados, nos países mais ricos, por estrangeiros (quase escravos).
Era pela observação in loco e acompanhamento diuturno junto aos mais experientes que os aprendizes se tornavam os novos profissionais. Essa metodologia, que nunca deixou de existir nas culturas humanas, persiste atualmente na figura do estágio supervisionado que os cursos técnicos e os de graduação exigidos pelos sistemas educacionais em geral para a obtenção do diploma que autoriza oficialmente o estudante a exercer sua profissão na sociedade que o formou ou também naquelas que o reconhecem como válido.
Este método da participação direta na prática foi muito empregado por Sócrates que aproveitava os conhecimentos reais para explicar e tentar convencer aos outros as suas convicções. Isto pode ser percebido claramente no livro “Êutifron”, escrito por Platão, que trata da impiedade e da justiça.
A utilização pedagógica de visitas técnicas em estabelecimentos que utilizam os conhecimentos construídos em sala de aula é muito benéfica no sentido de mostrar ao aluno a real necessidade que ele tem de se empenhar nos estudos visto que sem construir o conhecimento necessário ele não será capaz de executar as tarefas da profissão que deseja desempenhar.
Sócrates sintetizou uma pedagogia realmente livre e democrática onde cada um podia dizer o que pensava. A razão, a lógica do raciocínio, o incentivo elogioso e a coerência eram os instrumentos que ele utilizava para que seu aluno, pouco a pouco, fosse organizando seu pensamento até chegar a um ponto em que, mesmo sem uma resposta conclusiva, ele pudesse ter um amplo conhecimento racional sobre o ponto em debate. A inconclusividade dos temas que Sócrates gostava de abordar e levava seus interlocutores, sorrateiramente a neles adentrar é um parâmetro que não pode ser desconsiderado. Pelo fato de não se chegar a uma resposta definitiva sobre uma questão esta estava sempre em discussão e isto ele gostava de checar com as pessoas com quem conversava.
Ele procurava especialmente as pessoas que eram famosas e se gabavam de saber muito bem alguma coisa e era justamente esta coisa que ele colocava em questão. É evidente que ao se ver logicamente obrigado a admitir que não sabia o que propalava saber, seu oponente, mesmo agora sabendo mais do que antes, quando julgava tudo saber sobre o assunto, se sentia inferiorizado e surdamente ressentido com Sócrates. Muitas dessas pessoas eram influentes na sociedade o que levou, posteriormente, à condenação de Sócrates em um julgamento onde, logicamente, devido à sua defesa muito bem elaborada, clara e objetiva, não há sentido em que decorresse em condenação, sendo racionalmente esperado que ele fosse inocentado. Sua acusação de impiedade (não respeitar aos deuses, não ter fé, dizer heresias) e de corromper a juventude e sua condenação, pode ter sido politicamente forjadas para a realização de uma vingança dos que se sentiram desacreditados por Sócrates.
Podemos resumir a pedagogia socrática nos seguintes pontos:
• O aluno deseja aprender algo sobre um tema específico;
• Esse tema é muito bem conhecido por Sócrates;
• Por meio do diálogo, baseando-se principalmente em perguntas e respostas que eram analisadas segundo a coerência da razão, o aluno é levado a ampliar as informações que se referenciavam ao tema em pauta e construía um parecer próprio sobre a questão proposta. O diálogo e essa construção eram planejados e orientados por Sócrates que, embora desse a entender que nada sabia sobre o tema o conhecia e já o tinha reestudado diversas vezes.
• Sócrates se mantinha atualizado sobre as questões que lhe interessavam, principalmente as problematizações de cunho social como por exemplo a beleza, a coragem, a justiça, a verdade etc. Para tanto, sempre que possível, levava os diálogos de que participava para uma reflexão sobre um desses pontos. Assim ele se mantinha atualizado executando atividades que lhe possibilitavam uma formação continuada tanto pela problemática contínua quanto pelo exercício da memória.
• O aluno era livre para ir quando assim o desejasse.
• O objetivo de Sócrates era clarificar o pensamento do aluno pela razão e não pela ideologização.
• Por fim o aluno estava convicto de que encontrara a melhor solução possível e a defendia como se fosse realmente sua a conclusão alcançada.

A condenação de Sócrates relatada por Platão na “Apologia de Sócrates” que relata o julgamento com as acusações de Milito e a defesa feita pelo próprio Sócrates mostra sem dúvidas que as respostas do réu aos seus acusadores demonstravam racionalmente que o mesmo era inocente de todas as acusações feitas o que nos leva a depreender que sua condenação foi meramente política. Afinal impiedade e corrupção dos jovens era coisa que ele não promovia, muito pelo contrário. As leis da cidade eram para ele sagradas, tanto que preferiu a morte a fugir para que a sua execução não se efetuasse, logo era improvável que Sócrates transgredisse uma só lei que fosse na sua comunidade.
Outro aspecto que não se pode desprezar na metodologia socrática que, infelizmente, dificilmente foi e é visto no decorrer de toda a história da humanidade é o exemplo pessoal, um modus vivendi coerente com o conhecimento que o professor mediador planeja construir juntamente com seus alunos.
A responsabilidade, o planejamento, o respeito para com todos os alunos, objetivos realmente válidos que justifiquem o grande esforço dos discentes que desejam aprender e principalmente um agir pessoal que demonstre que o que se ensina e exige é realmente bom, mas tão bom, que o professor o aplica no seu quotidiano. Assim o bom mestre não mente, não externa preconceitos, mesmo que os tenha, é responsável, sempre planeja suas aulas detalhadamente mesmo já as tendo ministrado centenas de vezes, dá voz ao aluno, e, estando ou não na escola é sempre um professor, um homem equilibrado emocionalmente, confiável, honrado, ético, preocupado com o bem estar comum. Em suma o professor deve ser um exemplo de cidadão que cumpre todos os seus deveres e exige todos os seus direitos. Na verdade, em termos de formação humana são as atitudes do mestre que causam admiração e se modelam como exemplo que deva ser seguido.
Quando um professor não faz o que exige de seus alunos ele afirma subliminarmente que os valores só devem ser respeitados quando estão sendo observados. Este é o primeiro mandamento da corrupção que infelizmente vem sendo ensinado na família e nas escolas.
Sócrates foi e ainda é um exemplo que os que se intitulam educadores deveriam seguir.